quinta-feira, 21 de agosto de 2014

A montanha e a floresta. E o fresco.

Nem vivalma nem plantinha. Shams no seu esplendor
Com a chegada de Maio chega o Inferno. Não o Verão, esse veio em Abril e já foi quente o suficiente, um Agosto em Portugal. Muito quente, muito húmido, assim é até ao final de Setembro, a começar a amainar a partir de Outubro. Com o calor, ou se fica em casa com o ar condicionado sempre a bombar, piscina ou praia ao fim do dia entre o por do sol e o subir da humidade (sim as noites por vezes parecem mais quentes!). A outra hipótese é fugir para as montanhas. A altitude retira pelo menos 10ºC e a humidade quase toda. Com umas 3 horas de viagem de Mascate já se alcança uma altitude jeitosa onde abrir a janela do carro não é o mesmo que abrir a porta do fogão.
Assim, aproveitando o convite do clube local de astronomia que, para mostrar as estrelas como se quer, leva o pessoal para sítios remotos, sem poluição luminosa. Remoto em Omã significa meio das montanhas ou do deserto e claro, lindíssimo.
A floresta. Sim esses arbustos.
O convite dizia juniper forest, floresta de zimbro em Jebel Shams. Já tinha ouvido falar desta floresta de montanha, onde aparentemente ainda vivem leopardos de montanha e outras raridades da arábia. Como chove muito mais nas montanhas e por vezes até neva no Inverno imaginei uma floresta a sério, densa e de copas altas. Hoje em dia há estrada de alcatrão para quase todo o lado e quando acaba há de terra batida em boas condições. O 4x4 acaba por fazer mais falta por causa da inclinação. Paisagens fabulosas de montanha. Agreste com focos de verde sempre que a água é suficiente para as tamareiras e mais alto para alperces. Quando começámos a procurar um sítio para acampar é que me apercebi que tinha entendido mal o conceito de floresta em Omã... De facto havia zimbros, acompanhados por oliveiras selvagens (zambujeiros) com uns 3m de altura máxima e que distavam uns 20m entre si. Não tinha visto árvores a crescer espontaneamente com tão grande densidade em Omã, mas ainda assim queria um pinhal ou coisa que valha!
De qualquer modo o fresco era o melhor de tudo, uma família feliz por sair de Mascate e do calor. Uma sessão astronómica muito boa, para miúdos e graúdos, uma via láctea como não via desde miúdo no Alentejo e bom convívio.
Aos 2000m começam as plantas.
Foi um primeiro dia fantástico, dos melhores de Omã. O segundo dia não foi, mas isso será o tema do próximo post.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Por entre um Mundo antigo. E alto

Vista do vale perto de Hajir
Escrevo com um lapso temporal de vários meses. As temperaturas neste momento, apesar de estar a ser um Agosto ameno, não permitiriam estas andanças. Em mais uma saída geológica em trabalho (sim, Omã de facto é o paraíso dos geólogos) partimos para as montanhas.
As montanhas de Omã, para Oeste de Mascate formaram-se, de uma forma simplificada, pelo choque de crosta oceânica com a placa da Arábia. Geralmente a placa oceânica mergulha sob a continental num processo chamado de subducção, mas não raramente parte dessa crosta oceânica é também obductada, ou seja transportada para cima da crosta continental. Essa porção de "oceano em terra" chama-se ofiólito e o de Omã é dos mais conhecidos e mais bem estudados do Mundo. A acompanhar essa crosta oceânica, para além de outros processos mais complexos, há rochas sedimentares bem mais interessantes que o ofiólito (desculpem colegas petrólogos, é verdade). Para as empresas de petróleos isso é um mimo visto que podem ver à superfície - e em Omã muitas vezes significa 100% de afloramento - rochas equivalentes às que observam, de forma muito mais limitada, na subsuperfície.
Os terraços de cultivo na aldeia de Wazma em Sahtan.
Nesta saída fomos analisar rochas bem antigas, contemporâneas do aparecimento da vida multicelular, numa "janela geológica". Todas as rochas mais recentes que estavam em cima foram erodidas, deixando exposto o núcleo de uma dobra anticlinal gigantesca. Escusado será dizer que o anfiteatro quilométrico criado por esta estrutura é brutal. No seu centro corre o wadi Sahtan e a zona é chamada de Sahtan bowl, a taça de Sahtan. A bordejar este anfiteatro erguem-se escarpas verticais de centenas de metros. No topo alguns dos picos mais altos de Omã, como a Jebel Shams.
A encontrar bons afloramentos e a analisar de pertos outros já conhecidos calcorreamos muitos dos caminhos de terra batida nesta zona e, chegando a zona mais inclinadas, percorrendo a pé, num misto de caminhada, escala e trabalho geológico. Quanto mais subíamos mais tentava não me lembrar que a descer custa sempre mais. Mas a geologia e a paisagem valiam a pena. E o fresco começa a sentir-se lá em cima. A acompanhar a nossa escalada, para além das aves, as omnipresentes cabras, osgas e burros selvagens que parecem ter as mesmas habilidades que as cabras.
Vários dias pesados no físico mas revigorantes no espírito.
A vista em altitude do lado Sul do magnifico anfiteatro de Sahtan
 

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

A herança portuguesa em Omã V (ou talvez não)

Uma das fortificações à entrada da velha Mascate
Um colega Português tinha-me falado de rumores ou melhor, de comentários de locais, que havia um cemitério dos Portugueses numa enseada algures na zona de Mascate onde só se chegava por mar. De Portugueses só poderia ser do tempo em que cá estivemos, vai para 500 anos quando toda a costa do Iémen, Omã e golfo adentro era controlada pela Coroa. Hoje em dia somos nem duas centenas e se algo corre mal voltamos para Portugal.
Esperámos pelo tempo mais fresco e resolvemos alugar um barco de recreio durante umas horas e ir à descoberta num passeio cultural e de veraneio.
Depois de irmos até à entrada de Matara (Mutrah na transliteração actual, mas pronunciado pelos locais soa mais parecido com a versão portuguesa) onde tivemos um encontro de terceiro grau com a polícia marítima. Pelos vistos não podemos entrar para a zona do porto actual de Mascate à vontade, se bem que o palácio do Sultão se pode chegar bem perto. Aí deve ser sem aviso, as metralhadoras pesadas são ameaçadoras o suficiente. Voltámos para trás e fomos explorando as enseadas, uma a uma até encontrar algo semelhante a um cemitério. No dia anterior tínhamos visto no Google Earth algo semelhante a campas, mas muito branquinhas, o que, para 500 anos seria obra (divina provavelmente).
As ditas, vistas de mar.
Numa delas encontrámos as tais campas. De facto, só mesmo por mar ou escalando do outro lado do rochedo. Num terreiro elevado e plano, a sobressair da praia de calhau lá estavam, bem cuidadas e recentemente pintadas, as campas. Ou divino ou não tinham 500 anos. Era um cemitério, mas de ingleses, marinheiros naufragados na costa de Omã nos últimos 200 anos. Muitos sem nome "known to God" na lápide. Outros ilustres desconhecidos e ainda para os VIPs o seu título: clérigos, administradores, etc. Pelo que deu a perceber a maioria seriam pessoas em transito entre a Índia ou mais além e a metrópole. O mais português que vimos foi um nome que imagino seja de Goa, mas com uma data muito recente. De resto os habituais torreões em todos os promontórios. Estando visto o cemitério dos portugueses (not) dedicámos o resto do tempo à parte do veraneio com boa companhia de portugueses, estes vivos da Silva!
Matara vista de mar. Aquele barquinho ao lado do iate do Sultão foi-nos dizer bom dia e desandem daqui.
 

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Sifah. Entre fiordes, mangue e montanha

Solitário aguarda a maré cheia
No caminho para Yitti já me tinha perguntado para onde iria aquela estrada no cruzamento. Este fim de semana fui. E já devia ter ido. A estrada serpenteia entre montes e wadis e passa por uma zona onde o mar invadiu a terra. Geralmente indica uma subida do nível do mar recente ou uma zona de subsidência de terra ou uma combinação das duas. O resultado são fiordes com uma costa muitíssimo recortada e montanhas a emergir do mar. Estando nos trópicos as poucas zonas aplanadas e lamacentas foram colonizadas por mangue. Pela riqueza biológica e também geológica esta zona é um pequeno parque natural.
Em cada wadi há uma vilória piscatória e correspondentes pescadores prontos a levar qualquer turista num passeio de barco por alguns reais. Não o fizemos mas deve valer bem a pena.
Uma das muitas reentrâncias da costa como um pouco de mangue no primeiro plano
No fim da estrada chega-se a Sifah, uma vila não muito grande mas com um empreendimento turístico recente que deve ter duplicado o número de casas e de pessoas. Aqui o areal é extenso, com um cordão de dunas e zona aplanada. Para o interior e a ladear a zona baixa estão montanhas formando um anfiteatro gigante e lindíssimo.
O passeio foi contemplado por um belo peixe grelhado - algo raro por aqui, sempre frito e com o indispensável picante - num restaurante local.
Tudo em poucas horas e a 50km de casa.
A praia de Sifah e as montanhas envolventes
 

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Wadi Bani Kharus

Em mais uma saída geológica organizada pela empresa - Omã é um paraíso para geólogos e a empresa facilita-nos o acesso ao Éden - segui para as montanhas. Assim como a visita a Nizwa e cidades dessa zona, não se sente que se está a subir para as montanhas. Elas são altas, bem altas e são visíveis a muitos kilometros de distância, mas os wadis são amplos e a altitudes bem inferiores. Não estranhamente a maioria da localidades estão nos wadis, assim como as estradas que cortam as montanhas. 
Um estreito formado por calcários do Jurássico
Wadi bani Kharus fica na parte Noroeste das montanhas Hajar, na zona de Rustaq onde as linhas de água drenam para Norte, alimentando os aquíferos da costa de Batinah, uma das zonas com maior produção agrícola - porque tem muita água subterrânea - e mais densamente povoadas de Omã e do Golfo.
Para os geólogos e também curiosos da História Natural os wadis que cortam as montanhas são uma viagem no tempo espectacular, com alfloramento a 100%, ou seja não há árvores, solo e essas coisas chatas a cobrir as rochas. Numa sequência em monoclinal (os estratos estão inclinados com a mesma direção e polaridade) viajamos desde o final do Cretácico (último Período dos Dinossauros), passando por todo o Mesozóico (essencialmente a Era dos Dinossauros e seus antepassados directos), com diversos tipos de rocha. Infelizmente grande parte do Paleozóico (pré-Dinossauros, maior parte da Era só com vida marinha) não está representado nesta zona, embora haja alguns locais na montanha com afloramentos do Ordovícico.
Alguém sabe a espécie?
Temos ainda das rochas mais antigas de Omã e de toda esta região, da base do Câmbrico e do PreCâmbrico, que como já foi dito parecem ser de outro planeta. São tipos de rochas, apesar de sedimentares como muitas outras, difíceis de comparar com qualquer ambiente de sedimentação actual ou de outro período da Terra. De igual forma os poucos fósseis que se encontram - a grande maioria microscópicos - são totalmente diferentes de toda a vida que povoou a Terra em períodos posteriores. Para alguém com alma de cientista é um desafio fascinante com o qual tenho o prazer de me deparar.
Para quem acha que pedra é só para cabeça dura (e não sofram de aracnofobia) ainda houve tempo de ver alguma da vida vivente. 

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Higiene desértica

Este será o meu maior desafio até agora enquanto blogger. Como ter uma conversa de casa de banho mantendo um discurso minimamente eloquente e ainda conseguir falar um pouco sobre História Natural. Na saída recente ao deserto empenhei-me em mergulhar na experiência de deserto total (deve haver uma figura de estilo própria para estas impossibilidades metafóricas). Estar lá, acampar e tirar umas fotos claramente não seria suficiente. Os povos desta zona do globo, como outros do Leste africano, árido e longe de conceitos ocidentais de higiene, aproveitam materiais naturais locais para a sua higiene pessoal. Muitos deles ainda em uso. Aproveitei um presente de um colega Omanita que tinha viajado à Arábia Saudita - um pedaço de raiz de Arak (Salvadora persica), usada na Arábia e em Africa como escova de dentes. 
A escova de dentes antes do uso
No serão do primeiro dia de campo os colegas Omanitas explicaram o seu uso, sem demonstração. Alguns deles usam regularmente, mesmo vivendo no conforto da cidade. Até me explicaram onde há destas árvores perto de Mascate. Removendo a pele em volta da raiz, mastiga-se o núcleo até ficar espalmado. Usa-se esfregando nos dentes e gengivas. O sabor é forte mas não perdura. A salivação é intensa que é como quem diz babei-me todo. E de facto limpa. É tão eficiente que a OMS recomenda o seu uso visto que previne as cáries e ajuda a regenerar gengivas.
Não usados mas bons candidatos a ir atrás da duna
Por enquanto entrava na experiência até metade. Faltava algo para mergulhar de cabeça. Beduínos e outros povos do deserto não têm acesso casas de banho. E ninguém no Mundo conhecia papel higiénico até ser inventado. Felizmente o deserto tem muito calhau e muito desse calhau tem o que se chama de verniz do deserto, uma camada dura de argila e outros minerais  formada ao longo do tempo por ação do vento e calor. Assim, é escolher a dimensão e rolamento certos, levar uns quantos para trás... ia dizer de uma moita mas não há, tem mesmo de ser de uma duna ou afloramento rochoso suficientemente grande e usar. Atesto a sua eficácia.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

O clima de Omã

Faz hoje um ano que cheguei a Omã. Tempo de balanço e alguma introspeção. E tempo também para perceber como é o tempo, e a mais larga escala o clima de Omã.
Lembro-me quando cheguei que estava bem mais quente do que em Portugal, uns 20 e poucos graus durante o dia, mas ao fim da tarde e noite era bom usar algo mais do que uma t-shirt. O vento ajuda à sensação de frio ao qual se junta a ocasional chuva. Este ano não é diferente e de facto nas últimas semanas fica fresco à noite, é preciso usar uma camisola e/ou casaco. Na cama um cobertor sabe bem. Assim deve ficar até ao fim do mês de Janeiro. O Inverno Omanita é assim o equivalente à nossa Primavera, com dias a roçar um Outono seco.
A partir de Fevereiro as temperaturas começam a subir, desaparece o fresco da noite e no pico do calor já passa dos 30ºC. Ainda assim agradável. Março começa a ter dias de maior calor, as noites já são tépidas. Chegando a Abril, embora também haja algumas tempestades a fazer o ditado português valer em Omã, começa o calor a sério, com temperaturas acima dos 40ºC. Mas ainda é seco, refrescando um bocado à noite. A Primavera Omanita é um Verão que começa relativamente fresco mas que acaba em tórridos dias de Agosto.
Em Maio começa o martírio. As temperaturas até podem baixar dos 40ºC mas chega a humidade, implacável, omnipresente e que perdura meses a fio. Em poucas semanas e com poucos recuos a humidade chega aos 80% ou mais, dia e noite. Até Agosto há poucas mudanças, exceptuando as muito raras frentes frias que fazem baixar as temperaturas e humidade. É chato, não se pode fazer nada na rua, nem à noite. A praia é por vezes um escape, mas frequentemente as correntes quentes do Índico fazem com que a sudação continue dentro de água. Como uma sopa. Em Setembro começa a haver uns dias ligeiramente mais frescos e menos húmidos que permitem que se esteja relativamente confortável à sombra. E com serões já suportáveis. Alguns "braços" da monção que afecta o Sul do país por vezes chegam a Mascate e são uma bênção. Ainda assim demasiado quente. O Verão de Omã é assim uma estação incomparável, um inferno tórrido imutável.
A partir de Outubro começam finalmente a descer as temperaturas, embora de forma irregular, assim como a humidade. No entanto é só em Novembro que começam a vir dias consistentemente abaixo dos 30ºC e secos. Aí sim uma Primavera quente bem agradável que se estende até Dezembro.